Amizade (ou a falta de) e o amor

Eu me sinto com a síndrome de Peter Pan quando vejo as pessoas se relacionando umas com as outras. Me aterroriza a ideia de uma pessoa ser seu tudo: SÓ ela saber todas as suas coisas, SÓ vocês dois serem contra o mundo. Parece que as amizades se anulam nesse sistema e, meu Deus, eu gosto tanto dos meus amigos. Eu gosto tanto dos nossos encontros, das nossas confidências, das piadas que só a gente entende e de quem somos quando estamos entre nós. Não acho que nenhum amor substitui essa sensação.

Sei que cada pessoa tem vários lados e alguns traços se expressam mais com uns amigos e outros com outros, sim, eu sei. Mas a maioria das pessoas mudam tanto quando fazem da outra o seu mundo. Por que a gente sempre coloca esse tipo amor em primeiro lugar? Por que o nosso mundo e a maioria dos planos giram em torno do matrimônio (ou algo similar a ele), da presença sempre constante e de compartilhar todas as confidências? Onde os amigos entram nessa equação?

Eu realmente sinto uma agonia que me domina por completo quando vejo isso acontecendo com os meus amigos e as pessoas ao meu redor. Como se não tivesse escapatória. E mesmo se EU tivesse, o que adianta me diferenciar se todos a minha volta tem o mesmo padrão de comportamento? O que significa essa pressa e urgência de ter uma só pessoa? Faz parte de nós?

Então o final se resume a todos os amigos sendo menos amigos e o meu mundo e o mundo de mais alguém serem incorporados mais e mais até que as nossas personalidades se tornem cada vez mais parecidas?

A vida adulta me desespera em todos os sentidos.

São Paulo

Dia desses fiz conexão em São Paulo no aeroporto de Guarulhos e precisava chegar em Congonhas para pegar outro voo. Apressei as coisas e subi no ônibus até o destino. O misto do trânsito, sono e a vista do centro me fizeram lembrar de tudo que São Paulo representa e já representou para mim.

Meu primeiro contato com a cidade, de verdade, foi em circunstâncias que eu não desejo a ninguém. Hospital, doença, descobertas… Em São Paulo eu vivi a maior dor da minha vida, a dor que me modificou. Foi também em São Paulo que eu descobri que eu poderia ser um pouco mais eu sem medo de ser julgada. Em São Paulo eu me apaixonei (quase de verdade) pela primeira vez. Em São Paulo eu cresci a força e vi minha família, meus amigos, a vida e a morte de outra forma.

Foi sonhando com São Paulo que eu passei meu ensino médio. Ainda lidando com as dores do parágrafo anterior, a adolescência e a depressão, sonhar com a cidade me fazia escapar do que eu achava estar onde eu morava. Era vislumbrando um futuro longe de tudo que eu achava detestar que eu conseguia ter um alívio enquanto me descobria como mulher, como pessoa, como amiga, como filha e como futura profissional.

Lembro de ter me dedicado tanto à esse blog e tanto a me enclausurar num mundo em que a maioria dos meus amigos, paqueras e vida giravam em torno de fugir da minha cidade e ir para São Paulo viver tudo que eu achava que eu não podia aqui. Eu sonhava em morar sozinha, estudar numa faculdade que realmente iriam ter pessoas como eu e que eu poderia fazer todas as maluquices possíveis.

Foi no auge do meu ódio por mim mesma que eu encontrei em São Paulo uma pessoa para me apaixonar e me fazer ficar pior por eu ter idealizado mil coisas e descoberto depois, na terapia (amém terapia!), que o que eu idealizava nele era o que eu queria para mim em São Paulo: poder pagar as minhas contas, ter independência e fazer o que eu bem querer, com quem eu quisesse.

Hoje eu passo por São Paulo e a sensação que eu sinto é a mesma de olhar uma foto antiga de um momento muito feliz. Hoje sinto uma sensação de aconchego, não mais de fuga. De uma cidade que me acolheu sem que ao menos soubesse.

Agudez

Queria voltar no tempo. Ou mais especificamente naquela madrugada de sábado que quis emendar a noite com você mas meu juízo sobressaiu a tanto álcool. Meu bom senso me torturava para não te encontrar depois de tudo que havia acontecido naquela mesma festa. Queria ter ido mesmo assim. Ao menos eu teria algo mais concreto para lembrar (e me arrepender) do que só tua voz e as inúmeras conversas que tanto me aconchegavam.

Nos últimos dois anos era incômodo demais viver na minha pele. Tudo doía demais e eu me fechava demais. Eu sarei e você apareceu logo em seguida da mesma forma que eu estava: apagado pela dor e com a cabeça mais confusa que Passo dello Stelvio.

Queria que tivéssemos tido tempo. Se não fosse aquele dia, talvez hoje estaríamos juntos e nossos encontros já teriam passado dos cem. Eu te acompanharia nesse caminho ou ao menos mostraria um percurso menos dolorido e bem menos solitário.

O último

Esse texto não é dedicado a você, é dedicado para mim. Você foi apenas parte de um percurso para que eu compreendesse algo maior.

Nós não fomos suficientes para nós. Não que exista esse plural quando se trata de nós (!) dois – ainda que minha mente insista em acreditar nessa mentira em madrugadas em que minha mente e regadas a insônia ou quando me deparo com algo que você gosta – ou gostava? Vai saber… – e todo esse minúsculo passado feliz que volta para esquentar meu coração.

Nós não somos suficientes para nós. Não porque eu goste de comédia romântica ou sinta mais sono assistindo ficção científica do que tomando um sedativo. Não porque você abomina o Adam Sandler e acha que passar uma noite lendo HQ seja um programão para o final de semana. Nós não somos suficientes para nós porque o que nos diferenciou foi mais forte do que o que nos uniu.

Nós não somos suficientes para nós porque você não foi suficiente para mim; A brevidade de felicidade que você me trouxe veio acompanhado de um inverno não metafórico de tristeza e uma tentativa falha de parecer feliz. Me trouxe semanas em casa, enclausuradas com livros e nos textos que dediquei a você com o coração apertado.

E eu não fui suficiente para você. Não por falta de esforço ou afeto. Não fui suficiente apenas por não ser… suficiente.

Talvez o que mais me doeu nesse tempo foi tentar ser o que não era e me perder e perder você no meio desse caminho. Me moldar (engrandecendo algumas partes e diminuindo outras) para caber em algo que fosse ideal para você. Enquanto eu transbordava nas bordas, culpada, enquanto algumas outras permaneciam incompletas.

E hoje aprendi:

Ocupo mais espaço e me expando sem vergonha alguma da extensão de mim mesma.

Nós não somos suficientes porque ser suficiente para um outro não é algo unilateral.

E apesar de tudo, não te culpo… sermos sujeitos com qualidades e defeitos não nos tornam culpados. Apenas diferentes demais para sermos suficientes.

Flor de Lis

Eu não consigo lembrar de você sem as minhas incertezas. Do que foi real e do que transformado pelo meu sentir medroso.
Não tenho mais certeza de suas palavras e do seu olhar, da sua voz e da sua doçura, do que foi exposto e das dores que eu escondi por me machucarem demais.
Não me lembro mais de que é te amar sem murchar, de te lembrar sem culpa, desabar e ser acolhida. Ou talvez isso também faz parte do que não existiu e eu inventei? Eu quase não me lembro mais. O nosso passado já é tão passado que centenas de vidas já passaram pela gente, assim como o que acreditávamos e os problemas que vivíamos.
Eu sei que eu não pertenço mais ao seu presente e futuro e você não pertence mais ao meu. Você tá feliz e eu tô… vivendo. No modo automático. Supondo se seus conselhos seriam úteis ou se eu me afastaria de novo com medo de me despedaçar.
Eu sempre te vi como diferente, carregado de uma sensibilidade singular e uma vontade de me fazer feliz que ninguém nunca teve. Sei também da minha capacidade de embelezar o monótono e disso ser uma possível alucinação metafísica de alguém que poderia me ajudar e que não se esconde atrás de um comportamento operante.
A verdade é que a verdade dói demais… às vezes enganá-la pode ser benéfico.

Fim

Eu sinto seu coração bater enquanto você escapa entre meus dedos com um suspiro alto e agudo. Teu corpo desfalece como uma tela branca tomada por pinceladas roxas e avermelhadas, que quase me excitam como o seu lento apagar. O tempo consumiu muitas das coisas, menos o seu último olhar surpreso e indefeso e a sua ingênua tentativa de continuar o seu fim que morreu inacabado.
A sua vida ainda corre entre as memórias de quem você era, esparsas pela frieza e apatia de quem te amava. O que poderia ter te lembrado, hoje descansa entre o livro que você quase terminará e a voz que não ecoou no ouvido de quase ninguém.
Mas a tua presença ainda estará acorrentada por mim e pelo meu amor, íntegro e intenso, junto da maldade tua de maldizer e não corresponder o platônico de minha admiração.
O que poderia ser um nós, acabou, para nós dois, como um fim.
Graças a você.
Vadia.

%d blogueiros gostam disto: