PALAVRAS POETIZADAS

Entreolhar

Já li em mil e um lugares que um olhar vale mais que mil palavras. Talvez tenha sido isso, ou talvez já tenha nascido com a propensão de ser observadora, mas olhos sempre me encantaram e me magnetizavam. Gostava de procurar olhares alheios ali, e entre um e outro olhar, um sorriso aparecia. Essas faíscas entreolhadas deixavam meu dia um pouco menos acinzentado.

Em uma dessas buscas encontrei você. Meu olho no seu, e seu olhar fixo em algum livro que não consegui decifrar o título. Livro na mão e café na mesa. Olhos atentos, ouvidos desligados a qualquer barulho alheio e mente concentrada. Blusa de alguma banda que eu não conhecia, barbudo – ah, barba! – e uma péssima postura – diga-se de passagem – ao sentar. Um clichê, mas o meu jeito estereotipado de cara ideal. Observadora nata e metida a escritora, já começava a tramar uma aproximação ou transcrever a nossa história aqui. Nem que o fio da meada durasse uns cinco segundos.

Você foi mais rápido, mais atento e mais esperto, ao perceber uma anã de um metro e cinquenta e oito te observando a pé de olho – ou escancaradamente, sei lá – e sorriu. Dentes alinhados e branquinhos. Bingo. Sorriso. Sorriso. Olhar. Olhar. Um oi. E ah, você lê Stephen King? Bingo de novo. Amo Rose Madder.

Apesar da onisciência de quem vos escreve, o acaso ganha nessa história. Talvez ele resolva falar com ela pelo celular, talvez ela tenha parecido mais interessante de boca fechada, ou talvez ele tenha perdido a graça sendo ele mesmo. Talvez. Ou – sempre ele – os dois tenham pensado, bem lá no fundinho, que encontram finalmente alguém que seja parecido em uma cidade que respira o antônimo do que eles são. Vai saber.